Mariana
H. Chaves
Universidade
Federal do Piauí - Departamento de Química - Ininga - 64049 - 550 - Teresina -
PI
Recebido em 31/10/96; aceito em 20/1/97
INTRODUÇÃO
O tópico “análise de misturas” é abordado normalmente, a
partir de uma mistura hipotética ou na prática a partir de uma mistura
artificial preparada com substâncias puras. O método geral comumente empregado
na análise consiste em separar os componentes e identificá-los posteriormente
utilizando reações de classe. Vale ressaltar que torna-se impossível apresentar
em um livro texto uma gama de processos que sejam aplicáveis sem modificação à
grande variedade de combinações de misturas que podem ser fornecidas. A falta
de mais livros textos e a dificuldade de aquisição dos existentes pelos alunos
levou ao desenvolvimento de uma metodologia para o estudo de análise de
misturas na disciplina Química Orgânica III. O programa desta disciplina no
currículo de Bacharelado e Licenciatura em Química da Universidade Federal do
Piauí inclui o estudo dos tópicos: análise de misturas, critérios de pureza e o
uso da espectrometria no UV, IV, RMN e massas na identificação de estruturas de
substâncias orgânicas. Neste curso o tópico “análise de misturas” foi abordado
utilizando-se como exemplo extratos de plantas regionais.
Inicialmente,
duas espécies vegetais de distribuição ampla no Estado do Piauí foram
escolhidas para estudo: Annona squamosa (ata) e Annona muricata (graviola),
ambas pertencentes à família Annonaceae e com estudos fitoquímicos já relatados
na literatura. Escolheu-se para análise espécies desta família em
função de serem ricas em metabólitos pertencentes aos vários grupos
fitoquímicos, pois o ojetivo, além da aplicação da extração líquido-líquido,
foi a obtenção de um perfil cromatográfico em camada delgada de sílica dos
diversos extratos visando a investigação de carboidratos, ácidos aminados,
alcalóides, flavonóides e terpenóides.
EXPERIMENTAL
Procedimentos Experimentais Gerais: As placas
cromatográficas foram preparadas utilizando camadas de 0,25 mm de uma mistura
(25 g) de 3:1 de sílica gel 60 (artigo 7731) e sílica PF254+366
(artigo 7748), ambas da Merck, suspensa em aproximadamente 50 mL de água. A
solução de sulfato cérico foi preparada a partir de 2,1 g de Ce(SO4)2.5H2O
dissolvido em 15 mL de H2SO4 concentrado e adicionado a
800 mL de água. O reagente Dragendorf foi preparado a partir de 0,85 g de
nitrato de bismuto Bi(NO3)3.4H2O dissolvido em
40 mL de H2O e 10 mL de ácido acético glacial, seguido por adição de
8 g de iodeto de potássio dissolvido em 20 mL de água. A solução de ninidrina
foi preparada a partir 30 mg de ninidrina (C9H6O4),
dissolvida em 10 mL de n-butanol, seguido por adição de 0,3 mL de ácido acético
glacial. A solução de anisaldeído foi preparada pela adição de 0,5 mL de
anisaldeído (C8H8O2) em 9 mL de etanol (95%),
0,5 mL de H2SO4 concentrado e 0,1 mL de ácido acético
glacial. As placas borrifadas com solução de sulfato cérico, ninidrina ou
anisaldeído foram aquecidas por 5-10 minutos.
Material
Vegetal: Folhas de ata (Annona squamosa) foram coletadas no bairro Monte
Castelo
Teresina-PI
e folhas de graviola (Annona muricata) no sítio Recreio, Br 316, Km 22,
Teresina-PI. As exsicatas destes espécimens encontram-se depositadas no
Herbário Graziela Barroso com os números 9482 e 9435 respectivamente e foram
identificadas pelos professores: Airan Silva Lopes e Francisco Maurício Teles
Freire.
Descrição
da Metodologia: Para execução da metodologia proposta, a turma foi dividida em
quatro equipes constituídas cada uma por no máximo três alunos. Duas equipes,
uma com folhas de graviola e a outra com folhas de ata seguiram o esquema 1 e
as outras duas o esquema 2.
As equipes que trabalharam
seguindo o esquema 1 tiveram como objetivo obter para as duas espécies, um
perfil cromatográfico do extrato etanólico e das frações decorrentes deste após
extração líquido-líquido, enquanto que o objetivo das equipes que procederam
segundo o esquema 2 foi a aplicação da extração com solventes quimicamente
ativos na obtenção de alcalóides, bem como a obtenção do perfil cromatográfico
das fases alcaloídicas e orgânicas neutras decorrentes desta extração.
Os extratos obtidos
mediante esquema 1 foram concentrados, pesados e analisados por cromatografia
em camada delgada comparativa de sílica utilizando os seguintes sistemas de
solventes: hexano/acetato de etila (8:2), clorofórmio/metanol/ hidróxido de
amônio (95:5:0,5) e clorofórmio/metanol/água (65:30:5). As placas foram reveladas com solução de sulfato cérico para
investigação de substância de natureza terpenoídica e flavonoídica e com
reagente Dragendorf para investigação de alcalóides. As fases butanólica e
aquosa foram ainda submetidas a cromatografia comparativa em placa de sílica
eluída com clorofórmio/metanol/água (5:4:1) e aquosa foram ainda submetidas a
cromatografia comparativa em placa de sílica eluída com
clorofórmio/metanol/água (5:4:1) e revelada com ninidrina para investigação de
ácidos aminados e, com n-butanol/ácido acético/éter etílico/água (9:6:3:1)
revelada com anisaldeído, para investigação de carboidratos.
Os
extratos obtidos mediante esquema 2 foram concentrados, pesados e analisados
por cromatografia em camada delgada comparativa de sílica. As placas realizadas
com o extrato bruto e fases alcaloídicas foram eluídas com
clorofórmio/metanol/hidróxido de amônio (95:5:0,5) e como reveladores foi usado
irradiação UV (254 e 356 nm) e reagente Dragendorf para investigação de
alcalóides. O extrato bruto e as fases orgânicas neutras (material graxo,
metanólica e acetato de etila) foram ainda submetidas a cromatografia
comparativa em placas de sílica eluídas com hexano/acetato de etila (8:2), e
clorofórmio/metanol/água (65:30:5) reveladas com solução de sulfato cérico para
investigação de substâncias de natureza terpenoídicas e flavonoídicas
respectivamente.
RESULTADOS
Os
resultados obtidos pelos alunos foram apresentados através de relatórios e
expostos na forma de painéis a fim de possibilitar maior discussão entre os grupos. As equipes que trabalharam
seguindo o esquema 1 observaram que o extrato bruto, fase metanólica e, em
intensidade menor, o material graxo apresentaram manchas rósea e azul em placa
eluída com hexano/acetato de etila (8:2) e revelada com solução de sulfato
cérico. Isto sugeriu a presença de substâncias de natureza terpenoídica. Ao
compararem os resultados da placa com estes extratos versus o padrão da mistura
dos esteróides distribuídos amplamente na natureza (estigmasterol e sitosterol)
utilizando o mesmo sistema de solventes constataram que estas substâncias estão
presentes na ata porém não na graviola. Observaram, também, que as fases
acetato de etila, butanólica e aquosa apresentaram manchas amarelas e cinzas em
placa eluída com clorofórmio/MeOH/água (65:30:5) e revelada com solução de
sulfato cérico. A cor cinza sugeriu a presença de açúcares e a amarela de
flavonóides. A presença de açúcares foi confirmada por eluição de placa destes
extratos em n-butanol/ácido acético/ éter etílico/água (9:6:3:1) e revelação
com solução de anisaldeído. Entre as cores observadas, a azul (Rf~0,47)
e verde (Rf~0,55) sugeriram a presença de ribose e ranminose
respectivamente. Observaram ainda que a fase aquosa e em extensão menor, a fase
butanólica apresentaram manchas púrpura e amarela em placa eluída com
clorofórmio/MeOH/água (5:4:1) e reveladas com solução de ninidrina. O
aparecimento destas cores é indicativo da presença de ácidos aminados, sendo
que a cor amarela deve ser relativa à prolina conforme padrão utilizado.
Finalmente observaram que as fases acetato de etila e butanólica apresentaram
manchas alaranjadas em placa eluída com clorofórmio/MeOH/NH4OH
(95:5:0,5) e revelada com reagente Dragendorf, sugerindo a presença de
alcalóides.
As equipes que trabalharam
seguindo o esquema 2 observaram que as fase alcaloídicas apresentaram manchas
alaranjadas em placas eluídas com clorofórmio/MeOH/NH4OH (95:5:0,5)
e reveladas com reagente Dragendorf confirmando a presença de alcalóides. Ao
utilizarem o padrão da liriodenina, um alcalóide oxoaporfínico distribuído
amplamente em plantas da família Annonaceae e facilmente identificado pela
coloração e fluorescência amarela intensa apresentada em
placas reveladas no visível e ultravioleta respectivamente, foi possivel
evidenciálo apenas na ata. Observaram também, que a fase orgânica neutra
(acetato de etila) apresentou manchas amarela e cinza quando eluída com
clorofórmio/MeOH/água (65:30:5) e reveladas com solução de sulfato cérico,
sugerindo a presença de flavonóides e carboidratos respectivamente.
Evidenciaram também a presença de substâncias de natureza terpenoídicas quando
as placas realizadas com as fases orgânicas neutras (material graxo e fase
metanólica) foram eluídas com hexano/acetato de etila (8:2) e reveladas com
solução de sulfato cérico. Confirmaram inclusive os resultados observados pelas
equipes que trabalharam seguindo o esquema 1 no que se referiu à presença da
mistura de estigmasterol e sitosterol somente na ata. Estes resultados estão
consistentes com os dados relatados na literatura relativos à fitoquímica de
Annonaceae.
CONCLUSÃO
A metodologia desenvolvida mostrou-se bastante eficiente, uma vez que
possibilitou ao aluno adquirir familiaridade com as técnicas de extração
líquido-líquido com solventes reativos e não reativos e com a cromatografia em
camada delgada. Além disso, forneceu informações sobre a polaridade das
substâncias existentes nos diversos extratos, bem como sobre a constituição
química da planta. Finalmente, a metodologia desenvolvida, além de incentivar
os alunos para iniciação científica, forneceu uma boa base para aqueles que
pretendem trabalhar na área de produtos naturais.
Fonte: QUÍMICA
NOVA, 20(5) (1997)
Postado por: Thamiris montenegro
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