terça-feira, 27 de maio de 2014

ANÁLISE DE EXTRATOS DE PLANTAS POR CCD: UMA METODOLOGIA APLICADA À DISCIPLINA “QUÍMICA ORGÂNICA”


Mariana H. Chaves
Universidade Federal do Piauí - Departamento de Química - Ininga - 64049 - 550 - Teresina - PI

Recebido em 31/10/96; aceito em 20/1/97

INTRODUÇÃO
O tópico “análise de misturas” é abordado normalmente, a partir de uma mistura hipotética ou na prática a partir de uma mistura artificial preparada com substâncias puras. O método geral comumente empregado na análise consiste em separar os componentes e identificá-los posteriormente utilizando reações de classe. Vale ressaltar que torna-se impossível apresentar em um livro texto uma gama de processos que sejam aplicáveis sem modificação à grande variedade de combinações de misturas que podem ser fornecidas. A falta de mais livros textos e a dificuldade de aquisição dos existentes pelos alunos levou ao desenvolvimento de uma metodologia para o estudo de análise de misturas na disciplina Química Orgânica III. O programa desta disciplina no currículo de Bacharelado e Licenciatura em Química da Universidade Federal do Piauí inclui o estudo dos tópicos: análise de misturas, critérios de pureza e o uso da espectrometria no UV, IV, RMN e massas na identificação de estruturas de substâncias orgânicas. Neste curso o tópico “análise de misturas” foi abordado utilizando-se como exemplo extratos de plantas regionais.
Inicialmente, duas espécies vegetais de distribuição ampla no Estado do Piauí foram escolhidas para estudo: Annona squamosa (ata) e Annona muricata (graviola), ambas pertencentes à família Annonaceae e com estudos fitoquímicos já relatados na literatura. Escolheu-se para análise espécies desta família em função de serem ricas em metabólitos pertencentes aos vários grupos fitoquímicos, pois o ojetivo, além da aplicação da extração líquido-líquido, foi a obtenção de um perfil cromatográfico em camada delgada de sílica dos diversos extratos visando a investigação de carboidratos, ácidos aminados, alcalóides, flavonóides e terpenóides.
EXPERIMENTAL
Procedimentos Experimentais Gerais: As placas cromatográficas foram preparadas utilizando camadas de 0,25 mm de uma mistura (25 g) de 3:1 de sílica gel 60 (artigo 7731) e sílica PF254+366 (artigo 7748), ambas da Merck, suspensa em aproximadamente 50 mL de água. A solução de sulfato cérico foi preparada a partir de 2,1 g de Ce(SO4)2.5H2O dissolvido em 15 mL de H2SO4 concentrado e adicionado a 800 mL de água. O reagente Dragendorf foi preparado a partir de 0,85 g de nitrato de bismuto Bi(NO3)3.4H2O dissolvido em 40 mL de H2O e 10 mL de ácido acético glacial, seguido por adição de 8 g de iodeto de potássio dissolvido em 20 mL de água. A solução de ninidrina foi preparada a partir 30 mg de ninidrina (C9H6O4), dissolvida em 10 mL de n-butanol, seguido por adição de 0,3 mL de ácido acético glacial. A solução de anisaldeído foi preparada pela adição de 0,5 mL de anisaldeído (C8H8O2) em 9 mL de etanol (95%), 0,5 mL de H2SO4 concentrado e 0,1 mL de ácido acético glacial. As placas borrifadas com solução de sulfato cérico, ninidrina ou anisaldeído foram aquecidas por 5-10 minutos.
Material Vegetal: Folhas de ata (Annona squamosa) foram coletadas no bairro Monte Castelo
Teresina-PI e folhas de graviola (Annona muricata) no sítio Recreio, Br 316, Km 22, Teresina-PI. As exsicatas destes espécimens encontram-se depositadas no Herbário Graziela Barroso com os números 9482 e 9435 respectivamente e foram identificadas pelos professores: Airan Silva Lopes e Francisco Maurício Teles Freire.
Descrição da Metodologia: Para execução da metodologia proposta, a turma foi dividida em quatro equipes constituídas cada uma por no máximo três alunos. Duas equipes, uma com folhas de graviola e a outra com folhas de ata seguiram o esquema 1 e as outras duas o esquema 2.
As equipes que trabalharam seguindo o esquema 1 tiveram como objetivo obter para as duas espécies, um perfil cromatográfico do extrato etanólico e das frações decorrentes deste após extração líquido-líquido, enquanto que o objetivo das equipes que procederam segundo o esquema 2 foi a aplicação da extração com solventes quimicamente ativos na obtenção de alcalóides, bem como a obtenção do perfil cromatográfico das fases alcaloídicas e orgânicas neutras decorrentes desta extração.
Os extratos obtidos mediante esquema 1 foram concentrados, pesados e analisados por cromatografia em camada delgada comparativa de sílica utilizando os seguintes sistemas de solventes: hexano/acetato de etila (8:2), clorofórmio/metanol/ hidróxido de amônio (95:5:0,5) e clorofórmio/metanol/água (65:30:5). As placas foram  reveladas com solução de sulfato cérico para investigação de substância de natureza terpenoídica e flavonoídica e com reagente Dragendorf para investigação de alcalóides. As fases butanólica e aquosa foram ainda submetidas a cromatografia comparativa em placa de sílica eluída com clorofórmio/metanol/água (5:4:1) e aquosa foram ainda submetidas a cromatografia comparativa em placa de sílica eluída com clorofórmio/metanol/água (5:4:1) e revelada com ninidrina para investigação de ácidos aminados e, com n-butanol/ácido acético/éter etílico/água (9:6:3:1) revelada com anisaldeído, para investigação de carboidratos.
Os extratos obtidos mediante esquema 2 foram concentrados, pesados e analisados por cromatografia em camada delgada comparativa de sílica. As placas realizadas com o extrato bruto e fases alcaloídicas foram eluídas com clorofórmio/metanol/hidróxido de amônio (95:5:0,5) e como reveladores foi usado irradiação UV (254 e 356 nm) e reagente Dragendorf para investigação de alcalóides. O extrato bruto e as fases orgânicas neutras (material graxo, metanólica e acetato de etila) foram ainda submetidas a cromatografia comparativa em placas de sílica eluídas com hexano/acetato de etila (8:2), e clorofórmio/metanol/água (65:30:5) reveladas com solução de sulfato cérico para investigação de substâncias de natureza terpenoídicas e flavonoídicas respectivamente.

RESULTADOS
Os resultados obtidos pelos alunos foram apresentados através de relatórios e expostos na forma de painéis a fim de possibilitar maior discussão entre os grupos. As equipes que trabalharam seguindo o esquema 1 observaram que o extrato bruto, fase metanólica e, em intensidade menor, o material graxo apresentaram manchas rósea e azul em placa eluída com hexano/acetato de etila (8:2) e revelada com solução de sulfato cérico. Isto sugeriu a presença de substâncias de natureza terpenoídica. Ao compararem os resultados da placa com estes extratos versus o padrão da mistura dos esteróides distribuídos amplamente na natureza (estigmasterol e sitosterol) utilizando o mesmo sistema de solventes constataram que estas substâncias estão presentes na ata porém não na graviola. Observaram, também, que as fases acetato de etila, butanólica e aquosa apresentaram manchas amarelas e cinzas em placa eluída com clorofórmio/MeOH/água (65:30:5) e revelada com solução de sulfato cérico. A cor cinza sugeriu a presença de açúcares e a amarela de flavonóides. A presença de açúcares foi confirmada por eluição de placa destes extratos em n-butanol/ácido acético/ éter etílico/água (9:6:3:1) e revelação com solução de anisaldeído. Entre as cores observadas, a azul (Rf~0,47) e verde (Rf~0,55) sugeriram a presença de ribose e ranminose respectivamente. Observaram ainda que a fase aquosa e em extensão menor, a fase butanólica apresentaram manchas púrpura e amarela em placa eluída com clorofórmio/MeOH/água (5:4:1) e reveladas com solução de ninidrina. O aparecimento destas cores é indicativo da presença de ácidos aminados, sendo que a cor amarela deve ser relativa à prolina conforme padrão utilizado. Finalmente observaram que as fases acetato de etila e butanólica apresentaram manchas alaranjadas em placa eluída com clorofórmio/MeOH/NH4OH (95:5:0,5) e revelada com reagente Dragendorf, sugerindo a presença de alcalóides.
As equipes que trabalharam seguindo o esquema 2 observaram que as fase alcaloídicas apresentaram manchas alaranjadas em placas eluídas com clorofórmio/MeOH/NH4OH (95:5:0,5) e reveladas com reagente Dragendorf confirmando a presença de alcalóides. Ao utilizarem o padrão da liriodenina, um alcalóide oxoaporfínico distribuído amplamente em plantas da família Annonaceae e facilmente identificado pela coloração e fluorescência amarela intensa apresentada em placas reveladas no visível e ultravioleta respectivamente, foi possivel evidenciálo apenas na ata. Observaram também, que a fase orgânica neutra (acetato de etila) apresentou manchas amarela e cinza quando eluída com clorofórmio/MeOH/água (65:30:5) e reveladas com solução de sulfato cérico, sugerindo a presença de flavonóides e carboidratos respectivamente. Evidenciaram também a presença de substâncias de natureza terpenoídicas quando as placas realizadas com as fases orgânicas neutras (material graxo e fase metanólica) foram eluídas com hexano/acetato de etila (8:2) e reveladas com solução de sulfato cérico. Confirmaram inclusive os resultados observados pelas equipes que trabalharam seguindo o esquema 1 no que se referiu à presença da mistura de estigmasterol e sitosterol somente na ata. Estes resultados estão consistentes com os dados relatados na literatura relativos à fitoquímica de Annonaceae.

CONCLUSÃO
A metodologia desenvolvida mostrou-se bastante eficiente, uma vez que possibilitou ao aluno adquirir familiaridade com as técnicas de extração líquido-líquido com solventes reativos e não reativos e com a cromatografia em camada delgada. Além disso, forneceu informações sobre a polaridade das substâncias existentes nos diversos extratos, bem como sobre a constituição química da planta. Finalmente, a metodologia desenvolvida, além de incentivar os alunos para iniciação científica, forneceu uma boa base para aqueles que pretendem trabalhar na área de produtos naturais.







Fonte: QUÍMICA NOVA, 20(5) (1997)


Postado por: Thamiris montenegro

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